O duro é na volta...

Voltar já conhecendo tudo aquilo por onde passou,

é como beber água sem sede,

comemorar sem sorrisos...


O duro é na volta...
(Paulo R. Boblitz - 22/abr/2012)

Dessa vez não houve necessidade do despertador; há algum tempo eu já olhava para ele, que lentamente e aos trancos, fazia mexer seu ponteiro dos segundos...

Levantei, fiz meu café, coloquei óleo na corrente e fui tomar meu banho. Nesse domingo não chovia, pelo contrário, o sol prometia...

Lentamente fui aquecendo e mais um pouco já estava passando por baixo do viaduto que nos leva para Itabaiana; sentados na sombra, dois ciclistas como quem esperando alguém atrasado. Cumprimentamo-nos e segui em meu percurso, subindo à direita para pegar a 235, logo avistando à minha frente, outros ciclistas. Lembrei do Vovô, que me havia dito que estaria indo para Itabaiana naquele dia. Apertei nos pedais, mas a estrada fazia leve rampa para cima; tirar aquele cerca de quilômetro e meio, só foi possível no topo da ladeira, já quase no povoado Outeiros. Encontrei uma moça que não reconheci, o Fernando, e o Vovô no pastoreio. Puxei conversa com o Vovô e fiquei sabendo que só iriam até Areia Branca.

Conversei mais um pouco e os deixei, afinal eu estava indo para bem mais longe. Lá na frente, já avistando o talude careca da ladeira do Cafuz, reduzi meu ritmo, baixando também o fogo. Ciclistas à nossa frente, costumam atuar como o coelho, instigando-nos na vontade de ultrapassá-los - mais uma lição aprendida: contenha seu ímpeto, se você estiver indo para distante; meu pedal estava começando, e o deles já quase chegava na metade.

Ali em pé parado, contemplando toda aquela descida com o calor a produzir distorções no ar, descansei um pouco, bebi uns goles d'água, enxuguei o suor e novamente parti. Na verdade eu deveria ter ido por Laranjeiras, mas assim eu perderia a Cafuz. Lá embaixo eu avistava a longa estradinha que subia pela direita, que eu deveria tomar para Laranjeiras, Riachuelo e Divina Pastora.

Montei e me deixei levar pela Gravidade, o barulho dos pneus aumentando conforme corriam mais, e dentro em pouco eu já estava aos pés da Cafuz, que não é assim uma grande ladeira, apenas 2 quilômetros com desnível de 110 metros, mas muito gostosa de se subir. Revendo os dados do GPS, descubro que ela é bem mais fácil que a ladeira de Divina Pastora, que um dia já foi chamada de Ladeira.

Quando descia, Vovô já iniciava a subida; nos cumprimentamos e fomos em direções opostas. Em pouco tempo eu chegava na estradinha para Laranjeiras. No início uma leve subida, depois mais outra leve subida e de repente o caldo engrossou. Não faz mal, pensei, do outro lado haverá uma bela descida...

Dito e feito, e logo chegava no trevo de Riachuelo, em frente a uma grande estátua de Nossa Senhora no alto da colina, com uma bela escadaria toda branca. Em Riachuelo levei um susto de uma carreta, que pela buzina mais parecia uma Shineray - bastava que ela abrisse um pouquinho pela contramão, pois não vinha ninguém em sentido contrário.

O outro susto eu tomei quando já ultrapassado Riachuelo, no meio da curva em aclive, um microônibus tirou um fino de mim, por conta de um carro pequeno em sentido contrário, invadindo a nossa pista. Aos que forem pedalar naquelas bandas, muito cuidado com fones de ouvido, pois não existe nenhum acostamento.

Em pouco tempo já avistava aquela mocinha, curta mas empinada. Na verdade ela começa logo depois da ponte de Riachuelo, quando pegamos no trevo para a direita, numa inclinação bastante suave que nos leva dos aproximados 2 metros, aos 40 metros de altitude, durante 6 quilômetros, com vento contrário. Passado cerca de 1 quilômetro do trevo para Santa Rosa de Lima, o vento aperta, creio que por conta da conformação da montanha, e a bendita começa, fazendo-nos sair dos 40 metros, para alcançarmos os 144 metros, em apenas 2 quilômetros.

Para piorar, caminhões-betoneiras transportando concreto, como vacas foram deixando ao longo de toda ela, bem por onde pedalamos no cantinho direito, bolos de cocôs petrificados, mas ela é linda, porque é curta e forma um cotovelo de quase 90 graus. Ao descê-la, muito cuidado para não passar reto...

Divina Pastora não tem muitas opções. Logo no começo da cidade, que continua subindo, descobri que existiam dois restaurantes, o da Baiana, e mais acima o Point da Comida Caseira. Ambos, na via principal, estavam fechados, ou melhor, pensei que estivessem. No Point da Comida Caseira, minha última chance, em plenas 11 horas com as tripas pelo avesso, perguntei a um garoto que passava na calçada, se ele não conhecia um lugar onde pudesse comer alguma coisa.

- Aqui mesmo! - ele respondeu, apontando para a porta fechada.

- Mas está fechado..! - respondi.

Ele pegou na maçaneta, abriu a porta e chamou Ô de Casa!, e logo apareceu Dona Anatélia que me preparou uma gostosa comida, acho que da própria que ela comeria. Perguntei se ela poderia me fritar dois ovos mal passados; ela fritou três, que derramei sobre o arroz e o feijão, o macarrão, o filé de peito de frango, e por cima de tudo, uma deliciosa salada de tomate, cebola e alface, com o sal e o vinagre no ponto. Pelo almoço, pelas duas garrafas de cerveja e pelas duas garrafinhas de água mineral, Dona Anatélia cobrou R$ 15,00. Mandou dizer a quem passar por lá, que é só bater e chamar, e ela fará uma comida bem saborosa, sorridente como sorriu para mim.

Restava agora a volta, com tanta preguiça...

Meio dia e dez, coloquei o capacete, vesti as luvas, levantei da cadeira e as pernas reclamaram; era o corpo informando que queria descanso...

No Cicloturismo, sempre estamos indo, nunca voltando. Traçamos nosso roteiro que segue de cidade em cidade, observando quilometragem e altimetria, e temos o dia inteiro para cumprirmos aquela etapa. Assim, quando chegamos, nada mais resta do que descansar, e cuidar do dia seguinte, novas ladeiras, novas paisagens, novas pessoas para conhecer, mais causos a enriquecerem nossas vidas.

Montei e me deixei levar, vez ou outra um pedalar, só para as pernas chiarem, enquanto frias. Até o trevo de Riachuelo seria moleza, só descida, mas depois dele a peleja... Novamente subi tudo de volta e no trevo para a ladeira do Cafuz, deixei-a para um outro dia. Uma caramanhola já havia acabado e a outra iniciado; até Outeiros, deveria tomar cuidado com a água, naquelas alturas meio morna. Em Outeiros, com cerca de só dois dedos de água, descobri que o côco verde havia acabado; comprei 1 litro e meio de água, enchi as caramanholas e bebi o resto. Nas imediações da CHESF, cruzei com o Humberto e outro ciclista não conhecido.

Em casa descobri a razão de minha desistência da Cafuz na volta: eu já havia subido muito naquele dia. Ao todo foram 115,8 km, 8 horas e 46 minutos sobre a sela, 1.384 metros em subidas acumuladas, 4.677 calorias largadas pelo meio do caminho; estava de bom tamanho...

* * *

Um comentário:

  1. sei que nas longas estradas deste mundo da bike ainda existe mais um km para ir ou voltar,só não esqueça que o point da comida caseira vai sempre estar com as portas escancaradas para receber os nossos peregrinos, que como o nome já diz sai peregrinando em busca de aventuras, muito grato por sua maravilhosa historia.
    (seu destino em duas rodas) g.som.

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