Aracaju (SE) - Mangue Seco (BA)

Nem só de sal, vive o homem,

nem de pão tampouco...

Calibrando tudo,

pedalar um pouco...


Aracaju (SE) - Mangue Seco (BA) - Siribinha (BA) - Baixio (BA)

Enfim, começando o ano... (i)
(Paulo R. Boblitz - jan/2015)

O sol já ia alto, mas ainda era cedo, porque no verão é assim mesmo. Manhã bonita, 6 horas de uma sexta-feira; começava o ano com 8 dias de atraso...

Feriadões chamam Pacotes, que significam vários dias; nós só queríamos pernoites de uma noite só, eu e Sofia...

Nosso plano inicial era chegar até a Praia do Forte; planos dão certo, e outras vezes, nem tanto... Assim, naquele fim de semana só poderíamos contar com três dias, ao contrário do plano inicial que previa 4.

Sofia há tempo que não ganhava a estrada, devidamente paramentada. Garbosa, estava a exagerar no rebolado com o peso dos alforjes... Eu sorria e lhe apertava os punhos, imprimia mais força, distraindo-a de seu desfile.

Cedinho, o trânsito ainda não existia; deviam estar a dormir, ou no preparo do início do novo dia...

Passamos pela ponte do rio Poxim e nos endireitamos de frente para o mar; o vento soprava leve e gostoso, cochichava baixinho, cantava seus fluidos em ondas, levando nosso barulho para um longe que ia, cada vez mais, ficando distante... Em instantes avistávamos o oceano, já cansado de tanto espraiar na areia, em espumas dançando e cabriolando, qual criança feliz... Agora nos acompanharia de lado, nos mandando seu cheiro salino. Vez ou outra, nos convidava para mais perto chegarmos.

Sofia fazia que não; estava com frio...

Esquecera o rebolado fazia tempo, encarando o caminho, aqui acolá um saltito; estava mais feliz do que eu, e não via a hora de parar no amiguinho dela, o Caranga, que só deixava passar quem fosse gente boa... Um longo assovio, um chiado atravessado, e lá estava Sofia a me empurrar para o lado dele; estava afoita para contar-lhe a novidade...

Moça linda, por onde passa, conquista amigos...

De longe observei os dois, uma dupla curiosa... Sofia sente-se meio parente do enorme caranguejo Caranga, porque acha que suas manetes também são pinças; não custava nada, concordar...

Nem, foi outra parada obrigatória; estava fechado.

- Neeem! - gritei uma vez, gritei duas vezes, e depois da terceira, o Nem apareceu na porta, olhos de sono...

- Nem!, tô indo pra Bahia... Dá pra sair dois pastéis de queijo e um caldo de cana?

- Péra um poquin...

Mais um pouco, Nem abria o cadeado do portão; mais um pouquinho ainda, o chiado do óleo quente nos trazia o cheiro gostoso da massa, queijo coalho derretido a nos queimar os beiços e a língua, o caldo verde brincando com os cubos de gelo, e Sofia divertindo-se com o meu sufoco... Conversamos enquanto ia saboreando, o caldo descendo goela abaixo aveludado, doce suave quebrado pelo limão...

Sofia empurrou minha perna; ela nada tinha a ver com aquelas guloseimas. O que ela queria mesmo, era pegar a estrada; a ponte sobre o rio Vaza-Barris nos aguardava...

Seguimos, o vento a nos empurrar, o vento a nos contradizer, o vento a nos anunciar pneus furiosos pelo asfalto pedregoso...

Seguir até a praia da Caueira, tem seu charme pelas curvas e leves subidas, mas dali até o porto do Cavalo, não existe acostamento. Sofia bem sabia disso, e me focava no espelho retrovisor o tempo inteiro. Na verdade, o acostamento existe, mas para você parar. Somente em pequenos trechos, conseguimos conversar com as pedrinhas da piçarra, pois que em outros, são buracos e vegetação que espeta e atrapalha...

Se chegar na Caueira é gostoso, seguir em frente é enfadonho, pois as retas quebram-se apenas nos entroncamentos para a cidade de Estância, para a praia do Abaís, e para a praia do Saco. Nesse último, entramos para Porto do Mato, lugar gostoso de se pedalar, acostamento liso e farto, trânsito lento por conta dos tantos quebra-molas, até a ponte sobre o rio Piauí, majestosa sobre eterna rixa, entre o doce e o sal, águas boas que vão e vêm, se misturam e voltam a brigar... Lá embaixo, solitária vela rubra singrando todas, Pescador valente atrás do sustento, sol a pino a castigar, sorte ou azar...

Sofia olhou para mim, sorriu em aprovação e delicada convidou; montei e a deixei me embalar, de leve no início, empolgada no final... Enquanto descíamos, podia saborear Mangue Seco à minha esquerda, do outro lado do rio quase mar, porém ainda estávamos longe, muito longe de chegar, cerca de 20 quilômetros, agora por cantos abafados. Passamos pela entrada de Terra Caída, pela entrada de Convento, e por fim chegamos no trevo para Pontal, onde a brisa voltou; agora estávamos alinhados de frente para o mar. Antes de Pontal, havia a entrada para os povoados Preguiça de Cima, e Preguiça de Baixo.

Já às portas de Pontal, parei debaixo de uma sombra, busquei os últimos goles da água morna, mandei Sofia olhar para o outro lado e fiz meu bom xixi; bom sinal de se estar hidratado...

Planos, planejamentos, gostosos gostinhos nas correções, nas novas visões, momentos em que nossas atitudes nos ensinam, nos avisam para na marca repensarmos, guardarmos na nossa história - não havia levado em conta o horário das embarcações. Turistas chegam motorizados, cedo, e cedo partem para o outro lado, sendo resgatados ao fim do dia. Ficamos eu e Sofia, desalentados, sujos e cansados, olhando o outro lado, Mangue Seco, que só nos receberia por volta das 5 da tarde.

Almocei, comi uma cocada queimada, comprei água; Sofia apenas olhava, pois ela gosta é de óleos e graxas. Estava quietinha sob a sombra lá em cima, enquanto que eu, cá embaixo de vez em quando a observava. O moço da casa-restaurante, notando, tranquilizou:

- Pode ficar tranquilo, moço, porque aqui não é lugar de maldade; maldade aqui, vem de fora...

Havíamos pedalado 99 quilômetros certinhos, nenhum pneu furado, nenhuma grande subida, nenhum estresse, nenhum susto maior, nenhuma distância que fosse tão significativa; o que nos estava matando, principalmente já no final, era aquele calor infernal, abafado de construção de chuvas. O calor destrói, derrete as têmperas, suga as energias.

Que ninguém brinque com o calor; que se respeite o Sol...

Subimos no barco, arrumei um cantinho para nós. Alguns passageiros também subiram, e partimos. O barco vibrava a cada bigode espumante que levantava. Chegamos no atracadouro, todos desceram, menos nós, que fomos encalhar na cinzenta areia, lugar mais firme, mais certo e seguro para Sofia, na prancha poder andar.

Empurrei Sofia pela areia solta, duzentos metros por entre casas e bugres, final de festa do que foi o dia...

Ao longe, a linda ponte, tão perto, tão distante...

Não tinha vinho, o colchão me encostava no estrado de alvenaria.

Lá fora o vozerio foi esmaecendo; estávamos os dois, adormecendo...

* * *

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