Trilha com Aracaju Pedal Livre em Capela, Sergipe

Quando enfim,

nossa visão se transforma em ensinamento,

nossa ética não se modifica,

nossos princípios não se alteram,

nossos sorrisos continuam,

conquistamos e somos conquistados...


Trilha com Aracaju Pedal Livre em Capela, Sergipe
(Paulo R. Boblitz - dez/2013)

Há muito que eu sentia a falta de uma boa conversa, eu, meus pneus e as pedrinhas do estradão, aquele som que me achegava como ao fritar dos peixes, quando os cravos vão esmagando e fazendo chegar para lá, tudo aquilo que tenta interpôr-se em nosso caminho. Sabendo que eu ia, o noivo de minha filha resolveu também fazer sua primeira trilha; gostou...

Turma boa e desigual em termos experientes, algumas quedas, alguns perdidos, nestes eu incluído, mas com finais felizes...

O sol prometia ser bem quente, coisa não muito boa para  mim, e cumpriu sua promessa...

Quarenta e nove ciclistas, uma beleza, nós contamos...

Já em Capela, acercou-se de mim alguém com aquela camisa proibida; deu-me a mão e a apertei, e ele, como a se explicar, informou que estava usando aquilo apenas para proteger-se do sol. Sorri para ele e mentalmente agradeci, pelo fato dele mostrar-me que aquela coisa feia era apenas pano, pintado, lembrando-me que as minhas hoje serviam para que nossas cachorrinhas dormissem à noite...

Estava há muito tempo parado, pois acabamos nos dedicando às prioridades. Precisava fazer a trilha, pois no fim do ano estarei partindo, eu, minha amiga bici, meus alforjes, minha máquina fotográfica, e minha liberdade...

Precisava testar o coração, as pernas, o sol, o calor, as subidas em estradas de chão... Feliz constatei que estou pronto...

Engoli poeira, cuspi argila, pedalei com força, ri bastante com o Magal, com o Claudio Luiz, enfim com todos que, sorrindo, também contagiavam...

O estradão de piçarra começou logo após o asfalto da cidade, embrenhou-se pelo canavial, por fim descambou pela trilha onde só cabia um, em meio à mata, ribanceira profunda do lado a querer nos engolir, caminho técnico para poucos montados sobre a bici. De um extremo, tranquilo, passamos ao outro, perigoso, num simples dobrar no pé de uma árvore que nos indicava o caminho até a nascente do rio Siriri, lá no fundo a borbulhar, seguir seu rumo e engrossar, cortar povoados e servir, aplacar a sede e irrigar...

Aquilo que desce tem que subir, e subimos, empurrando nossas amigas pelo pedregal acima, empinado que só o topete do Elvis. Um dos Guias era o Ciclista que morava em Capela, mas quem bem conhecia era o rapaz da moto, que desceu e subiu as todas ribanceiras, sem pestanejar...

O sol apertava e partimos dali, em pouco tempo chegando numa boa sombra, onde estava sendo embalada, fina farinha de mandioca branquinha, e à nossa espera, uma porção de macasadas, uma espécie sarolha de beiju (tapioca) grosso, úmido, doce ou salgado, muito gostoso a levar coco ralado em sua receita.

No interior, rio é praia, e logo chegávamos num remanso largo, talvez o rio Lagartixo, perdoem-me por não saber o nome dele, isso depois de descermos um belo morro, e do jeito que todos foram chegando, fizeram carreira e sensacionalmente o atravessaram, espalhando água para todos os lados. Parado, olhava toda aquela presepada, e quando chegou a minha vez, dei meia volta e fui amenizando todas as marchas, deixando minha amiga no mais leve que podia, e passei girando, devagar, com elegância, para os da minha idade, pois que jovem gosta mesmo é de adrenalina... Nem cheguei a molhar meus tênis...

Minha água já estava começando a ficar morna, jeito horrível de tentar passar a sede; à nossa frente, uma bela subida a nos aguardar, empinada, quando em seu primeiro terço a abandonei, pois tenho o critério de que quando andando vou mais rápido que pedalando, desço e empurro. Vi gente se matando, gastando energia à toa, gente brigando com o equipamento, gente subindo numa boa, porque cada um tem sua própria cabeça... À nossa frente, pequeno povoado nos aguardava com seu bar de esquina aberto, onde todos chegaram de assalto, um montão de gente inesperada que fez a arrecadação saltar naquele dia, como se de festa fosse...

A encruzilhada nos levava para quatro cantos, mas escolhemos aquela que nos devolveria à Capela novamente, enfim onde chegaríamos no asfalto liso, quando resolvi apertar os pés, fazendo Kanidia me acompanhar, meu futuro genro também, e mais alguns que não quiseram ficar para trás. Kanidia me ultrapassou quando estávamos passando por um cruzamento, quando aproveitei e lhe perguntei:

- Kanidia, o caminho é esse?

- Se não for, a gente volta... - respondeu-me ele

E seguimos, afinal retornaríamos se estivéssemos perdidos, e assim, permanecendo na principal, chegamos no asfalto, dobrando à direita, seguindo até Capela, parando sob seu Portal. A demora nos fez desconfiar de que o grupo havia tomado outra direção, e logo um lembrou de que estariam indo para a Bica. Ora, se estavam indo para a Bica, então que fôssemos também, e lá nos juntaríamos. Montamos e partimos, chegando na tal Bica que despejava três raquíticos fios d'água, não sem antes descermos uma ladeira de paralelepípedos, insana, desorientada, desmiolada, pois que não se constroem ladeiras daquele jeito; até para descer, havia-se que ter cuidado, aquele negócio de jogarmos a bunda toda lá para trás...

Lá embaixo, beco sem saída, ninguém do grupo à vista; ri um pouquinho quando um de nós soltou um nome feio, pois a viagem, tortuosa e insossa de voltar, havia sido improdutiva. Olhar para cima chegava mesmo a doer, e comecei o meu pedal, achando pouco a relação de moleza que a minha vigésima sétima marcha proporcionava. Até estava subindo bonito, pois não haviam pedrinhas a nos tirarem os pneus do sério, mas quando cheguei numa vala para as águas de chuva, aquilo transformou-se num degrau, fazendo com que eu mandasse aquela subida rabugenta às favas...

Novamente lá no topo, demos a trilha por encerrada, retornando ao ponto de início. O que não sabíamos era que o Grupo estava realmente indo para a tal Bica, mas por dentro das propriedades, passando por passadores apertados, pulando cercas, literalmente por dentro dos pastos.

Perdemos apenas essa parte, radical muito fera, uma espécie de rallye doidão, onde você pedala mas também carrega a bicicleta nos ombros.

Agora é esperar pela próxima, acho que só no ano que vem, veredas, estradões, riachos, risos e muito sol...

* * *

2 comentários:

  1. Show de pola seu texto!
    Até a próxima trilha...

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  2. Muito massa Boblitz, parabéns pelo texto, pelas palavras. Esperamos vc em uma próxima trilha.

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