Programa de índio...

Índio é aquele que vive na mata,

que conhece os caminhos do sertão,

cada raiz, cada pé de pau...

De vez em quando,

de bicicleta ou a pé,

faz bem virar índio...


Programa de índio...
(Paulo R. Boblitz - jul/2013)

Estava parado há pelo menos uns três meses, apenas esforçando-me no Pilates e no Google Earth, a navegar por estradinhas tortuosas e convidativas, cheias de poeira e vida.

- Seu Paulo, vamos nesse sábado, subir a Serra de Itabaiana? - perguntou a minha Tia, minha professora no Pilates, a Fisioterapeuta Dra. Marcela.

Olhei para ela por instantes, pois contava mentalmente os 20 segundos que ela havia determinado naquele exercício, e não mais do que esse pouco tempo que faltava, já estava decidido para a empreitada.

O convite chegava como pontapé inicial para aquilo que estou necessitando: subir e descer, pelo menos 3 vezes no mesmo dia, a Serra de Itabaiana. Quando assim conseguir, estarei pronto...

Terminada a pequena contagem, fiz que sim com a cabeça, obtendo mais detalhes: iriam também uma Bióloga, alguns universitários de Biologia, e a Guia, que gosta de escalar.

Desenterrei minha mochila pequena (não estava cheirando a mofo), separei minhas duas caramanholas que utilizo na bicicleta, o canivete, o protetor solar e o boné legionário. Já estava pronto...

Vesti a mochila e constatei que estava mais magro, bem mais magro, pois a barrigueira em nada segurava. Aqui, um parêntesis: mochila é como uma camisa; não deve estar apertada e nem frouxa, mas sim fazer parte de suas costas.

Lembrei dos preparativos para o Caminho de Santiago, com a mochila maior, descobrindo aos poucos, a utilidade das tantas correias de regulagem, pois que sem ela ajustada, parecemos cães com os rabos quebrados...

Na cabeça, imaginava que subiríamos por algum caminho de burro, aquela vereda estreita sem vida, de tantos caminhares, que sobe serpenteando a encosta. Estava enganado...

O início já dava sinais de que a trilha seria muito molhada, pela lama preta a ser ultrapassada... Lembrei das tantas vezes que andei pelo mato, e procurei as moitas e touceiras, mas estas estavam todas empenhadas em pintar meus tênis e meias de preto.

Em pouco tempo, o primeiro riacho a ser cruzado... Mergulhamos os pés na água gelada e límpida, a correr por entre pedras, limpando a lama arrebanhada...

A manhã mostrava o sol entre nuvens acinzentadas, fresquinha e saborosa que qualquer clima serrano gosta de apresentar; vez ou outra adentrávamos campo aberto, e ele, o astro de todos os dias, se nos achegava em fagulhas mornas...

A poesia, rápida se deu conta de mais espinhos, e mais lama apareceu; à nossa direita, riacho fogoso por entre pedras, a fazer barulho de rio grande...

Dessa vez a lama se misturava a valetas erodidas, onde o escorregar era convidativo. Lembrei de Santiago e sorri por dentro, pois que montanhismo aprova a ginga.

Não subimos e descemos montanhas como se estivéssemos num calçadão; cintura e joelhos trabalham em conjunto, amortecendo a tudo, dançando a música dos saltos e impulsos...

Paramos na segunda cachoeira, barulhenta, e o acampamento desarreou... Haviam trazido comida para uma semana... Bebiam água como se ela não fosse faltar, e não faltou, para meu devido sossego...

A juventude nos mostra que estamos velhos, porque brincam, cantam, não levam as coisas com a seriedade que levamos, não se prendem aos cuidados que tomamos, mas, por que somos chatos? Porque já vimos acontecer, já conquistamos a experiência do ter vivido...

Montanhismo tem muitas músicas que você precisa saber escutar, porque todas elas são diferentes. Mente e alma se juntam para receber, os silvos, os pios, os sussurros da relva, a água que corre, as pedrinhas sob nossos cascos moles, o sol que nos brinda em cores, a galhada que nos acaricia enquanto vamos passando...

O silêncio é o nosso melhor aliado...

É ele quem nos faz viajar e sonhar, ver e observar, notar e guardar, enfim aprender e apreender todas as lições raras que a Natureza nos apresenta em aulas carregadas de amor...

Mas um grupo também nos ensina outras muitas coisas: a contagiante alegria que não pára de andar em círculos, a solidariedade onde as trocas não significam ganhos, pois que trocamos comidas nas horas de descanso, e ajudas nas tantas travessias...

Vi uma faca de mesa serrilhada, dessas que utilizamos para cortar o bife com a ajuda do garfo, vi sal para temperar o ovo de codorna, vi garrafa térmica com café, vi a recolha de lixo alheio que veio pesar juntando-se ao que produzíamos; doideira..!

Vi degraus de pedras que em desordem nos fizeram subir, vi calçadas que em capricho a Natureza produziu, vi dois paredões que me fizeram pensar..., havia ficado maluco...

Vi o que adoro ver, vida que nos ensina a viver, aquela mesma que se agarra e entranha na difícil existência, porém não deixando de tentar...

Vi a água em vida, vestida em gala, densidade em pratas...


Vi a conquista, vi o medo sendo superado, vi o falcão em vôo senhor e solitário, o urubu em sobranceiro planar, vi o longe que faz sonhar, esse mesmo horizonte que nunca parou de fazer o homem caminhar...

Vi os 9.050 metros que foram percorridos, os 435 metros ganhados... Fui dormir cedo; acordei todo quebrado...

Mas tudo isso passa, novos cansaços virão, a cada um mais fortalecendo os músculos d'alma, esses em que o professor é você mesmo, dando aulas para si próprio...

* * *

Um comentário:

  1. Lindo texto, sr Paulo! Obrigada pela ótima companhia! Vamos combinar outros passeios! Beijo da sua querida professora de pilates! :*

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