Pelas terras de Santa Catarina (dia 16 - último)

O sonho não acaba,

ele apenas é interrompido,

pois assim como os dias se renovam,

a realidade nos faz viver todos os dias...


Pelas terras de Santa Catarina (dia 16 – quarta-feira)
(Paulo R. Boblitz - 19/set/2012)

(São Pedro de Alcântara (Pousada de Dona Dalva) - Florianópolis)

Como a entender que este seria o meu último dia de pedal, ele amanheceu nublado com pequeninas garoas. Tomei meu café e fui seguindo por um asfalto que só descia, com meu bagageiro quebrado, chacoalhando e fazendo barulho.

Em meu roteiro havia programado sair da rodovia, sempre que surgisse alguma colônia ou pequeno povoado, mas eu estava triste e preferi não adiar o fim, afinal eu apenas estaria passando por alguma rua principal com casas de um lado e de outro. O frio também apertava, pois raros eram os momentos em que eu necessitava pedalar, embora alguns topetes tenham me dado um pouquinho de trabalho.

Mais um pouco eu chegava no portal que me dava as boas-vindas a São José. Ao longe a silhueta marcante da grande montanha que despencava abruptamente; era a Pedra Branca, um grande rochedo a dominar Florianópolis, São José e Palhoça, e quem sabe, também a mais outras belezas...

Daqui a pouco eu estaria dividindo a rua com os apressados, sempre achando que os atrapalhamos, com razão porque os atrapalhamos mesmo, pois somos lentos e eles rápidos, comedores de asfaltos, sempre atrasados pondo a culpa nos outros, estressados esquecendo que eles também fazem parte desses "outros", que se combinam todos os dias, às mesmas horas, atrapalharem-se uns aos outros...

Foi um dia de poucas fotos, porque a chuva chegou e continuou fustigando até quase eu chegar em meu hotel lá em Florianópolis, e aí já não havia mais o que fotografar, a não ser uma rodovia cheia de carros pelo caminho de Canasvieiras.

Enfim eu descansaria, já pensando em outro roteiro, outro ano a construir...

Tirei férias para me cansar, para tomar banhos de suor, fazer força para subir, porém o que não sabem é do meu prazer em liberdade, acordar com os pássaros, com a luz que inunda o quarto, com as águas e os ventos das labutas que nos trazem a vida, dos dramas que se desenrolam pela Natureza...

Paramos na beira de um precipício e não incomodamos. Paramos defronte uma cachoeira e não atrapalhamos, porque não temos quatro rodas, não temos largura...

Somos respeitados no Campo, indesejados nas cidades, apenas ópticas diferentes, pois no Campo se persegue a vida, e na cidade se persegue o Tempo...

O Tempo na Roça é o amanhecer e o anoitecer; o Tempo na cidade é o dos ponteiros, que sempre apontam para o atraso, porque tudo na cidade tem que ser apertado, perseguido, mal vivido...

Tirar férias para viver, e não para descansar e comprar, é viver mais, é saborear do maná incomum.

O dia estava por inteiro cinzento, onde céu e mar se misturavam; até as pedras estavam com frio...

Almocei olhando para a baía, sorrindo quando via outros ciclistas no ir e vir. Sorri mais ainda quando vi um com alforjes, mas ele estava distante e não ouviria o meu chamado, pois a chuva caía enquanto eu protegido dentro do restaurante, aguardava minha refeição. Reparei naquele que me havia cruzado quando abandonei a ponte; agora ele retornava do seu treino...

Almocei e parti, e mais um pouco a chuva foi parando. Há muito que eu andava numa ciclovia, imensa a circundar a costa, até que ela também acabou, e com ela o meu sossego, mas todos me respeitaram. Subi a ladeira boa do Hotel Maria do Mar, passei sobre a rodovia SC-401 e a peguei no primeiro retorno, logo passando em frente ao Shopping Floripa. Meu pontilhão estava próximo e logo passaria sob a SC-401, em direção ao mar novamente, ao bairro do Cacupé, mas antes do hotel ainda existiam três topetes, e os venci um a um, até que cheguei na porta principal, apeei molhado, sujo e fedorento, apresentando-me à Recepção. Lá estava Yohanna, em quem dei leve toque no ombro, para não sujá-la. Estava a receber a todos que chegavam para o VII Encontro Brasileiro de Hidroponia. Meu filho Paulo Henrique passeava dentro de um ônibus, pois havia chegado cedo demais; ele estava do outro lado da ilha, na praia dos Ingleses. Liguei para ele e combinamos nos encontrar no Shopping Floripa, onde eu compraria um bom vinho para comemorar. Comprei mais de um, estejam certos...

Por hoje eu descansaria, mas dia seguinte até sábado seria só trabalho, onde beberia das palestras dos bons amigos, Professores Doutores Jorge Barcelos, Pedro Furlani, Luís Silveira, revendo gente amiga como o Produtor Weber Velho e muitos outros, todos atrás da qualidade, das idéias que se vão renovando, dos problemas que se vão sanando, enfim, das palavras que cada Palestrante derramaria em nossas mentes.

Pensava em passear pela orla do Cacupé, mas os dois dias, quinta e sexta, estenderam-se até à noite; no sábado havia visita a dois produtores e perdi o passeio que estaria acontecendo pela manhã, que Hila pelo telefone me alertou: Bicicletas Tandem, aquelas onde dois ciclistas pedalam, um na frente e outro atrás. Esse passeio era especial, pois os ciclistas de trás eram todos cegos ou deficientes visuais, mas eu já estava agendado e não poderia faltar.

À tarde, meu filho me ajudou a embalar a bicicleta. Primeiro protegemos as partes frágeis, como coroa, câmbio e sensores. Depois secamos o pneu traseiro, depois o dianteiro, que foi retirado do garfo. Por último, esvaziamos a suspensão, abaixamos a sela e deixamos as caramanholas entreabertas. Abrimos o mala-bike e a ensacamos.

E naquele dia descansei, e o pôr do sol foi maravilhoso, quente e suave onde até há pouco tempo era só chuva e frio...

Estou mais magro, um pouco cansado, mas extremamente feliz, pois alcancei a maioridade no Cicloturismo - viajei livre e sozinho pelos caminhos de Deus, apenas com Ele por companhia...

Conheci muita gente hospitaleira, gente simpática, gente ordeira, lugares onde a porta da frente dorme apenas encostada. Conheci tradição, devoção, respeito e trabalho, educação e cultura, Santa Catarina, um país dentro do Brasil, todos brasileiros...

Sorrindo lembrei dos "hã-hããã..!" que a cada sentença que vamos proferindo, todos eles vão concordando em amabilidades. Lembrei sorrindo de como todos eles nos ensinam nas indicações de qualquer caminho: "você segue toda a vida!, e depois pega às esquerdas", ou então "pega às direitas", como se seguirmos por toda uma vida, às vezes não durasse nem 1 quilômetro...

Brasil gigante de muitos povos e costumes, aqui em Sergipe também não é diferente, pois quando notam que você não é do lugar e pergunta por alguma direção, ensinam-nos uma, duas, três, quatro e se você não se despedir, ensinarão a quinta e a sexta vez, pois que nosso povo é, indiscutivelmente, amável e hospitaleiro...

Foram muitas montanhas, muitos vales, muitas águas me acompanhando, muito verde e muitos ventos, todos eles alvissareiros... Foram muitos cheiros e muitos cantos...

A cada gente que eu cruzava, um discreto "ôpa..!", recebia...

Somente os cães demonstraram irritação comigo, mas até eles não têm culpa, pois afinal eu parecia mesmo estranho, montado sobre duas rodas a pedalar, cabeça vermelha viva pelo capacete, óculos escuros e bandana a cobrir as orelhas... Já o gado era extremamente curioso, até levantando-se para se chegar na cerca próximo de mim.

Sonhos e medos não combinam, pois que um sufoca o outro, nem tampouco somente de Fé, você deve se valer...

Valha-se principalmente de sua coragem, aliada à sua boa saúde, ao seu bom condicionamento, à sua aceitação das incertezas, e construa seu roteiro solitário, pois só assim você usufrui na totalidade. Um grupo apenas lhe transmite a sensação de segurança pessoal, e somente só, pois que o grupo não impede nada daquilo que possa lhe acontecer; dou mãos à palmatória somente pela travessia por dentro do Parque Nacional de São Joaquim, pois que por todos os outros caminhos que trilhei, sempre, se quisesse, teria podido estender o braço a pedir uma carona, em casos de ferimento grave ou quebra que impossibilitasse a bicicleta andar.

As adversidades existem sim, mas são precisamente elas que às vezes fazem a diferença. Se você só anda se for em grupo, é porque ainda não conquistou sua maioridade, não importa quantos anos você tenha...

Meu próximo roteiro? Ainda estou pensando, mas aceito sugestões...

Em meu último dia rodei 50,6 km, em 3 horas e 58 minutos, queimando 3.224 calorias, e subindo acumulados, apenas 528 metros; uma grande moleza...

* * *

Estatística:

- dias de pedal = 16
- quilômetros rodados = 803,7
- tempo efetivo de pedal = 94 horas e 8 minutos
- calorias queimadas = 82.330
- subidas acumuladas = 18.646 metros

* * *

3 comentários:

  1. (comentário do meu amigo Márcio)

    Boblitz,

    Acompanhei todos os seus relatos, sobre mais esse seu maravilhoso caminho e só posso me congratular com você, nessa sua chegada.

    Só mesmo aqueles que são andarilhos de berço, podem dimensionar a alegria e o prazer que existem, nesses caminhos que percorremos, de vários modos, principalmente quando estamos sozinhos e temos de negociar com nossa solidão e nossos pensares!...

    Enfim, você chegou lá, mais uma vez!

    Meus parabéns e minha solidariedade por essas suas maravilhosas escolhas!

    Márcio Dayrell Batitucci

    ResponderExcluir
  2. Acompanhando os seus textos agora, me indicaram o seu site. Gostei do relato. Estou começando a me preparar para entrar nessa onda de pedal, tenho certeza que irei gostar sim. Agora é exercitar, pois quero muito conhecer a Costa Verde & Mar - Santa Catarina, quem sabe? Hasta.

    ResponderExcluir
  3. só hoje consegui chegar no teu e-mail, tentando atualizar minha caixa de msgs após um mês sem acessar internet. no dia em que fizeste este post eu saí a viajar rumo ao Paraná.
    a regiãoo do circuito das araucárias é belíssima, o clima é de serra, as pessoas sào acolhedoras, há ótimas pousadas rurais, cachoeiras , matas preservadas.
    abraço
    hila

    ResponderExcluir