Trilha do Vovô (ii)

O que são 66 anos?

99 ao contrário, dirão alguns...

Fibra e juventude, digo eu,

porque Vovô não me deixa mentir...


Trilha do Vovô (ii)
(Paulo R. Boblitz - jun/2011)

- Que adianta bicicleta bonita..? O negócio é perna..! - parece que estou ouvindo Vovô na sua cantilena eterna, quando garotões com suas máquinas maravilhosas, vão ficando para trás...

De fato, Vovô tem pernas para dar e vender. Ele já pedala há muito tempo, tanto tempo que já perdeu as contas, essas mesmas contas que hoje diriam quantos quilômetros ele já pedalou. Ele nunca se utilizou de hodômetros; apenas das pernas, que são robustas como ele, que come de tudo, bebe pouquíssima água, não se utiliza de isotônicos nem de droga nenhuma. Não fuma, e não dispensa sua cervejinha nos fins de semana.

Mas Vovô não fica apenas nessas negativas, pois ele também não anda lá na frente, embora se quisesse, o faria sem o menor trabalho. Não deixa ninguém para trás, não permite que ninguém repare sozinho a bicicleta, quando ela pára por conta de um pneu furado ou uma outra quebra qualquer. Ele sempre chega junto e suja as mãos com o maior prazer desse mundo.

Vovô é o tocador da manada, aquele que vem recolhendo os desgarrados, varrendo o percurso nos dando a segurança de que nenhum Carniça foi esquecido pelo meio do caminho.

Vovô não precisa de marchas, nem de acessórios bonitos, nem de menos peso na bicicleta, nem de bike-fit, nem de bicicleta bacana.

Vovô nem precisa de motivo para pedalar, aliás, ele talvez seja o nosso grande motivo para pedalarmos, pois que já percorreu Sergipe inteiro desde sua juventude, e hoje, por semana, pedala cerca de 500 quilômetros. Isso mesmo..!

Se alguém pensa que estou exagerando, é só colar no Vovô e tentar acompanhá-lo.

Vovô é um sujeito, que se quisesse, e se fosse um pouco maluco, já teria pedalado pelo mundo, várias vezes, pois outro dia, numa simples estimativa, alcançamos com facilidade, mais de 1 milhão de quilômetros, o que esse velho porreta já pedalou.

Vocês não leram errado não; vou repetir: mais de 1 milhão de quilômetros, assim, por extenso, para que não haja nenhuma dúvida.

Vovô também não precisa de carro de apoio, nem de nenhum exemplo, pois ele é o exemplo vivo para quem quiser observá-lo, no seu jeito simples de pedalar, com as pernas mais abertas desse mundo.

Marque um encontro! Ele será sempre o primeiro a chegar, e a reclamar porque todo mundo chegou atrasado, porque ele é ranzinza e vive a nos dar as suas broncas, claro, junto também os seus sorrisos, porque de Vovô, ninguém consegue reclamar, nem tampouco deixar de gostar.

Pedalando ao lado dele, muita gente que nunca vimos, de carros que passam, de gente na calçada, de gente pedalando, acena e grita o nome dele: "Aí Vovô!!!"

Ele levanta o braço e continua pedalando...

Vovô também não gosta de carreiras, nem de exibições...

Outro dia, pedalando com apenas uma das mãos, justamente a do freio dianteiro, entrou num buraco e acabou caindo no chão. Levantou, sacudiu a areia, olhou se tudo em ordem na bicicleta, e continuou no seu caminho.

E Vovô é muito carinhoso. Sempre que pedalamos até o Mosqueiro, ele nunca esquece de levar um mimo para a Esposa que ficou em casa, como docinhos e salgadinhos. Vocês precisavam ver a expressão de desalento dele, quando um dia o fundo da sacolinha plástica estourou, e eu quase morri de susto quando logo atrás, precisei desviar daquele pote plástico cheio de guloseimas, agora espalhadas pelo chão.

- Vovô, vamos voltar e comprar mais? - cheguei a perguntar.

- Não... Hoje não deve ser dia da patroa comer doce... - disse-me ele, filosofando.

Vovô completou 66 anos, pedalando, e mais uma vez trilhamos a trilha dele, dessa vez, oficialmente, a Trilha do Vovô, que há três anos vimos percorrendo. Saímos de Aracaju, passamos por N. Sra. do Socorro, depois por Laranjeiras, onde visitamos a gruta da Pedra Furada e algumas das 7 igrejas, inclusive a mais antiga, de 1734, que teria, segundo os mais velhos, ligação subterrânea com a gruta da Pedra Furada, em linha reta, cerca de 1,5 km.

De lá, pegamos novamente um estradão em piçarra, que nos fez sair na BR-235, para chegarmos na BR-101, pegarmos outro estradão até o restaurante Calumbi, onde almoçamos um delicioso pirão de camarão, camarão cozido com bastante caldo, arroz branco e vinagrete. Foi com muita preguiça, que retornamos para Aracaju, via Nossa Sra. do Socorro novamente.

A trilha desse ano foi especial, pois havia uma surpresa bem bonita para Vovô: um presente de aniversário que resolvemos dar, justamente a bicicleta que ele mais gosta de fazer gozação.

A marca? Não vou dar essa colher de chá para o representante.

Cantamos os Parabéns, alguém fez um discurso, mais um pouco surgiu a bicicleta... Vovô não chorou, mas seus olhos refletiram todo o encanto da emoção. Montou que nem menino e saiu dando voltas, como quem experimenta um pangaré.

Vovô estava tão alegre, que na trilha não mais ficava lá atrás, como costuma fazer em todas; volta e meia ele passava cortando todo mundo, como se num pedal mágico. Vovô, de repente havia virado criança...

Exemplo nosso todos os dias, sempre exemplar aos mais jovens, nos ensinou mais uma lição: a gente só envelhece quando quer...

Foram 80,9 km, 874 metros de subidas acumuladas, 7 horas e meia de muita coisa boa, muitos sorrisos de Vovô.

Agora sei que existem dois mitos em Sergipe: Zé Peixe é um, aquele que ainda dispensa o rebocador e que vem nadando de alto mar; Vovô é o outro, que pedala sempre com correção, sozinho ou acompanhado, pronto sempre para qualquer distância, no sol, na chuva, na noite, em qualquer horário.

Basta você convidar...

* * *

2 comentários:

  1. Parabéns vovô!! Enquanto lia, lembrei de uma certa noite onde estávamos indo pra "mãe gorda" (Restaurante) lá na aruana. Vovô estava numa "magrela" caloi 10 acho sem marcha com guidon reto e ao sinal do guia para esquentar as coxas aumento o giro dos pedais, ainda consegui acompanhar vovô alguns minutos quando de repente não aguentei mais...kkkkkk Esse deixa muita gente pra trás mesmo.. :)

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  2. Parabéns vôvô! Que sua energia seja renovada junto com sua nova idade e que seus familiares sempre celebrem essa data, por muitos anos. Um abraço!
    Gigi!

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