Nem sempre o que vai,
Ditadura
Faça o que eu digo,
não faça o que eu faço...
Conselho ou aviso,
tanto faz...
Ditadura
(Paulo R. Boblitz - abril-2022)
Feliz daquele que consegue ser ditador; nossa Língua é maravilhosa, perfeita...
Alguém dita, todos escrevem...
Alguém dita, todos obedecem – quer dizer: em tese...
O homem é o ditador da casa; na ausência dele, assume a esposa...
Existem ditaduras mais importantes, mais exuberantes e até cruéis, até que alguém desprovido de cu (porque quem tem, tem medo), anuncia: fock you! E esse alguém acaba ocupando o lugar do antigo ditador.
Falando em fock you, foi num dia desses em que por causa dele, um dos maiores navios russos de combate, foi afundado...
Por favor, não confundamos o ditador com o tirano.
Ditador na acepção negativa da palavra, normalmente proferida com certo teor de desprezo, é sempre aquele que manda e o desprezado obedece.
Ditador na acepção positiva da palavra, é aquele que administra, que comanda, que dá as ordens, afinal, alguém tem que liderar a bagunça... Até no bar ela existe...
Reclamamos das ditaduras dos pais, e logo estamos prontos para exercê-la com os filhos...
Deus foi nosso primeiro Ditador; criou o Universo em sete dias, sem perguntar a ninguém se podia...
Ah, mas e a democracia? Ela existe, a começar na cama do casal...
Existem ditaduras de todos os tons e matizes: as das minorias, das maiorias, das normas e técnicas, dos modismos etc. Existem ditaduras até mesmo, de nós sobre nós mesmos; comece uma dieta!
O importante é que você, ditador na maior parte do tempo, ditador na menor parte do tempo, ou ditador sempre que pode ou se interessa em sê-lo, exerça a ditadura com honestidade, bondade e razão.
Não nem sempre é não, nem sim nem sempre é sim; o problema sempre está em quem os diz, ou em quem os escuta...
* * *
A Espiriteira do Cyrino
Na vida, tudo é por conta das motivações...
Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 16)
Algumas são tristes, outras, de feiura total...
Perdoem-me o atraso, mas andei muito ocupado, bem preocupado...
O trabalho dobrou, o Cunhado se foi, e, por um pequeno graveto,
porque assim foram as palavras do Médico, não fiquei viúvo...
Pelas minhas palavras, por um pequeno carrapicho, não perdi minha querida Esposa...
Itaipu, finalmente...
(Paulo R. Boblitz - 22/fev/2015)

Passariam por volta da 1 da tarde, então estava com a manhã livre, quando busquei ajuda para lavar minha roupa inteira no hotel, e visitar o zoológico quase vizinho. Todos os zoológicos que já visitei, são sempre a mesma coisa..., animais ingênuos do lado de dentro; animais idiotas do lado de fora...
Precisava almoçar um pouco mais cedo, pois estaria a iniciar um pedal desconhecido, não a continuá-lo; a expectativa me consumia...
Voltei para o quarto, arrumei minhas coisas, dei ligeiro tapa no bumbum de Sofia, que havia acordado cedo, chamando para mais pedalar, mas é assim mesmo: todos os fins são muito tristes, nossos sonhos necessitam mudar, ser trocados por outros sonhos num outro dia...
Olhei Sofia, que me olhava séria; agradeci sua amizade...

Chegar em Itaipu é chegar em algo inimaginável; é preciso ver para crer... E chegar em Itaipu, ser recebido como fui recebido, dificilmente conseguirei retribuir...
Não entenderam, não é? O Zé, o Raimundo, o João, qualquer um com nome simples ou complicado, quando se aposentar, ou ir embora deste mundo, estará lembrado pelo Bosque, que cheio de árvores e sombras acolhedoras, com lugar para muitas árvores ainda, o manterá vivo pelo viço verde bem tratado...
O que dizer do orgulho, em se ter uma pequena placa ao pé de uma linda árvore, com o próprio nome?
O que dizer que seremos lembrados, por uma lápide viva, depois que partirmos desse mundo?
O diâmetro de uma turbina é tão grande, ou pouco maior, do que o comprimento de um grande ônibus de turismo...
Suas paredes em concreto, são tais quais, ou mais bonitas que as de uma grande catedral...
Itaipu é muito mais profundo, lá pelos meios dos mundos, onde os turbilhões acontecem, acesso agora proibido, por estarmos pedalando; oxalá eu consiga levar minha esposa, sem bicicletas, numa visita por suas entranhas, sentir as trepidações dos seus giros, magnetos em insana geração, faíscas azuis que ganham vida...
Aos que navegam sem navegar, um aviso: poderoso radar militar alemão, esquadrinha a zona de aproximação da parte crítica da zona de captação da hidrelétrica; as forças, todas elas implícitas, são hercúleas; não tente ultrapassá-las; não queira virar patê...
Afaguei sua cabeça e logo alguém nos despertou para novamente pedalarmos. Passamos no lugar onde o Lima havia caído, lancei-lhe uma oração, e ali mesmo insisti que gostaria muito de, ao final, ir visitá-lo. Edmar Vidal garantiu que me levaria.
Ali perto pastavam as tranquilas capivaras, grandes roedores, até dóceis, mas que não quiseram ter conversa comigo...
E cometemos um sacrilégio..., porém quem anda de bicicleta, não comete pecados... Como crianças, tomamos um gelado banho de infiltração, aquele pequeno filete que tal como fujão, burlou os homens, as rochas, os concretos, fez volteios e não ficou enquadrado nas regras da represa, transformando-se em linda cachoeira... O momento estava ímpar; não pude deixar de agradecer a Deus...
Se você não sabe o que são regras quebradas, está na hora de começar a viver, pois que até enganar a morte, é regra quebrada com prazer...
Contra Itaipu, contra sua beleza e pujança, nenhum ponto mais alto a nos prover da vista infinita, porque subimos aquilo tudo pedalando, como se uma montanha comportada. Lá em cima, pequeninos, não conseguimos ter a noção de sua extensão de 7.919 metros de barragem, um sem número de quilômetros inundados. Vale a pena uma visita:
https://www.itaipu.gov.br/sala-de-imprensa/itaipu-em-numeros
https://www.itaipu.gov.br/energia/barragem
Tarde nublada, noite em franca aparição, hora de todos nos despedirmos, de todos nos apertarmos as mãos, para mim o fim do final, mas faltava o Lima, e todos seguimos, uns ficando pelo caminho, até que sobramos apenas eu e o Vidal, uma bela ladeira até a casa do Lima, lá em cima, como lá de cima ele caiu, 10 metros e meio por entre as pedras, um capacete a salvar-lhe a vida, uma saúde a volver-lhe os movimentos, Deus a chameá-lo de forças, Jesus a chamar-lhe à realidade, forças que não entendemos, porém acreditamos, que por nome de Fé nos levanta, nos possibilita, nos abre as portas para nova vida, nos faz dar rasteiras na morte, nos grava na mente a História, que um dia nos fará sorrir...
Lancei-lhe um sorriso e lhe prometi que ainda pedalaríamos; mentia para ele, mas não o fazia por mal...
Conhecendo a envergadura do acidente, vendo-o ali na cama, deixei-me levar pela desesperança, mal vislumbrando-o andando; que bom que eu estava errado...
Ele, David, me escreveu:
"Senhor Jesus, ao olharmos nosso mundo, ficamos assustados. São muitas as dores! São muitos os sofrimentos! Há pessoas que deixaram de acreditar em si mesmas, na vida e em Vós. Há pessoas que se tornaram prisioneiras do consumo, das soluções fáceis e imediatas, nem percebendo que geralmente são falsas. Elas já não conseguem perceber a beleza da fraternidade, a alegria da caridade, o sabor da partilha, o perfume do convívio e a grandeza de crer. Ajudai-nos, Jesus, a testemunhar a esperança! Inundai-nos com vossa esperança para a transmitirmos a todos os irmãos e irmãs, em especial, os que estão sofrendo. Jesus, Senhor da Esperança, fazei-nos servos da esperança. Amém."
Hoje sei que meu Cunhado está num bom lugar.
Hoje vejo minha esposa recuperada.
Hoje vejo fotos do Lima quase pedalando.

Fui enfermeiro e ainda estou cozinheiro, junto com ela a descobrir sabores, dessa arte difícil que é cozinhar sem sal e gordura...
Itaipu foi uma grande viagem; Itaipu foi um grande aprendizado.
Apenas Sofia, paciente, aguarda meu retorno, minha vida de volta, para também viver...
* * *
Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 15)
Dia de fúria pode ser muita coisa:
dia de loucura,
dia de bravura,
dia de rebeldia...
Quem de nós um dia não se enfureceu,
e a tudo resolveu!?
Dia de fúria...
(Paulo R. Boblitz - 21/fev/2015)

Havia comprado em Capanema, depois de fazer as contas, 750 Pesos argentinos. Calculei dois almoços, o pernoite, um jantar, e as águas minerais pelo meio do caminho. Hoje estou arrependido de não ter tomado nota destas despesas, mas o fato é que ainda me sobravam cerca de 170 Pesos. Cada Peso havia me saído por 21 centavos de Real, ou seja, meus dois dias na Argentina, saíram por menos do que os 157,50 Reais.
Comi bem, dormi bem, e bem acolhido também fui...
Quando finalmente cheguei no escritório da dona do hotel, encontrei Sofia peralteando com os utensílios da escrivaninha; clipes dançavam em roda, folhas transformadas em bolas, que os lápis e canetas chutavam. A calculadora a calcular gastando papel, como se estivesse a cantar. O grampeador parecia desmaiado, o saca-grampos saltitava, o computador a rodar várias listas pelo monitor. Pela vidraça, podia ver todos eles em festa, como se alguma música lá dentro, estivesse rolando. Pela vidraça, também tive que conter-me ao ver tudo aquilo parar de supetão, quando a dona finalmente irrompeu na sala, abrindo a porta...
Por instantes coçou a cabeça, como se nada daquilo ela tivesse deixado daquele jeito; Sofia toda refestelada de lado sobre o tampo da mesa, botando todo mundo para se mexer, regia o que parecia uma orquestra...
- Sofia, que bagunça foi aquela..?
Não ouvi nenhuma resposta...
- So-fi-a!, estão olhando para nós..!
Aliás, os freios só funcionaram depois que gritei, ao ver que a tienda estava ficando para trás:
- Sofia! Preciso comprar água!!!

- Pau-lô!!!
Olhei melhor e, pera aí!!!, eu conhecia aquele cara sorridente..!


A vida, como ela consegue manter-se por entre fios, a fio..?

Aquilo tudo de repente se acalma, e como se nada tivesse acontecido, o Iguaçu refeito, nem repara que está maltrapilho, rasgado em pedaços, despedindo-se da vida, unindo-se ao Paraná, também já domado por Itaipu...



Agora o Brasil nos recebia...
Encontramos uma ciclovia, e por ela seguimos bem calmos, como tranquilo também seguia o Iguaçu, terminando nós três, nosso passeio...

Havíamos percorrido 83,4 quilômetros, em 8 horas e 38 minutos, queimando 5.020 calorias, subindo 821 metros...


Adendo:

Assim, minha produtividade andou em baixa, mas, não tenho nada a reclamar...


Não é fácil... Não foi fácil...

O Lima também é um atrevido...

Perguntei a ele quando pedalaríamos..? Sorrindo acanhado, respondeu que em breve...
Breve é um Tempo indeterminado, genérico, mas, em se tratando do Lima, acho que já devo começar a juntar o dinheiro da passagem...
Aos todos atrevidos que conheço, e também aos que não conheço, meus parabéns, pois que de atrevimentos a vida é feita, e conquistada, e suplantada...
Aos que têm medo de atrever-se, bem..., jamais conhecerão o outro lado...
* * *