Aracaju - Ponta do Saco

Se pegar no caniço,

for igual a pegar no guidão.

Se pescar algum peixe,

for igual a sentir emoções,

então sou também pescador...


Aracaju - Ponta do Saco
(Paulo R. Boblitz - 6/abr/2013)

Havia acabado de entrar no Facebook, já numa segunda-feira à noite, onde nenhum plano costuma desenhar-se em nossas mentes... Notei uma mensagem para mim e fui até ela. Era a Rosana Adrião que me fazia algumas perguntas sobre pedalar-se até a praia do Saco, pois ela e mais uma amiga, a Riva, pretendiam seguir pedalando até lá, onde estavam inscritas na gincana de pesca, que estaria acontecendo nesse último sábado, 6 de abril, e convidado eu já estava, não para pescar, mas para pedalar.

Lembrei de alguns compromissos que sempre deixamos para o sábado, mas nada que não pudesse esperar, afinal, pedalar é sempre um bom motivo para adiarmos qualquer lide do dia-a-dia.

De pronto respondi às questões ali colocadas, bem como aceitei o convite, aguardando pelos detalhes que elas, donas do pedal, traçariam. Marcamos hora e local de saída, e partimos. Pegamos o rumo da orla numa manhã bem calma, seguindo juntos com o vento, aos sabores da maresia. Num instante acabamos com a orla e adentramos pela rodovia que segue margeando o mar, via Aruana. Em pouco tempo dobrávamos à direita para o Mosqueiro, onde estávamos resolvidos a tomar um caldo de cana ou água de coco.

No Caldo do Neném, encontramos o Vovô e o Heráclito, que já aguardavam pelo pedido que haviam feito. Lá também encontramos o Aloizio, amigo meu de trabalho, pescador de fins de semana, cuidando de sua comida para quando exercitando da paciência, esperando pelas fisgadas nas tantas iscas, que qualquer pescador vibra quando a linha balança ou enrijece...

Batemos uma foto da situação inusitada, pescadores e ciclistas, e fomos embora, pois muito chão ainda haveria de ser conquistado.

Havia uma incógnita que me preocupava: Riva estaria em seu segundo passeio longo, o que não garantia que ela conseguisse terminar a jornada, cerca de 75 quilômetros. Os primeiros 25 tinham sido moleza, mas agora começariam as 6 subidas antes da Caueira, pequenas é bem verdade, mas de certa dificuldade para iniciantes. O vento estava a ajudar com maestria, logo nos desfazendo das ladeiras, para meu conforto, pois pelo primeiro teste, a nova amiga havia passado; faltava agora passar pelo segundo: chegar até o destino...

Faltando cerca de 4 quilômetros para chegarmos na Caueira, meu pneu traseiro furou, aliás, meus pneus não estão me dando trégua neste início de 2013, mas, tudo é aprendizagem... Enquanto o remendava, as duas amigas que estavam de carro, que também participariam da gincana, nos aguardando na Caueira, regressaram e nos foram encontrar à beira da estrada. Pescadores costumam verificar as tábuas de marés, pois eu havia lançado a ideia de irmos pela praia, mas nenhuma delas havia feito tal consulta. Havia somente um problema: se a maré estivesse cheia, teríamos que voltar para a rodovia, perdendo cerca de 4 quilômetros entre o ir e vir para descobrirmos. Eu sabia que se lá chegássemos e tudo estivesse favorável, o vento nos empurraria com sua mão gentil...

Enquanto cuidava da roda, ia escutando as quatro confabulando e raciocinando, tendo elas chegado à conclusão de que a maré estaria subindo, pois às 14 horas, hora do início da gincana, a maré estaria no pico máximo. Consultei a hora e já eram 8 e meia; iríamos pela areia... Riva teria seu batismo pela areia da praia, coisa que a Rosana já conhecia, quando um dia retornamos da Lagoa Redonda.

A cautela é sempre bem-vinda, e combinamos que as duas amigas que seguiam de carro, nos esperariam na praia do Abaís, onde, se fosse o caso, reprogramaríamos o passeio, continuando a seguir pela areia, retornando para o asfalto, ou embarcando a Riva no carro. Chegamos até onde o mar despejava suas espumas na Caueira, e descobrimos um mundão de areia durinha nos convidando para o pedal, onde o vento parecia também sorrir; eram 9 horas de uma manhã bastante ensolarada, com poucas nuvens... Até ali, havíamos pedalado 44,8 quilômetros.

Inflamos nossas velas e pedalamos a todo vapor, pois o Abaís distava cerca de 16 quilômetros, quase uma hora dali. Enquanto pedalava, o calor nos tomava conta e o suadouro começou. Eu sabia o que isso significava: estávamos quase à velocidade do vento, que conosco andava em parelha. Olhei para o hodômetro e nele marcava a velocidade de 21 km por hora, e pensei na volta, pois esse seria o vento que me empurraria contra, quase que os 75 quilômetros inteiros, uma longa e contínua subida...

Chegamos no Abaís onde as duas que estavam de carro já nos aguardavam há um bom tempo, pois esperar sempre é cansativo e demora a passar... Avaliamos a distância a ser vencida até a praia do Saco, cerca de 10 quilômetros. Se não nos atrasássemos, daria para chegarmos pela beira da praia, porém era um terreno desconhecido para mim, no que elas aceitaram como um bom desafio a ser vencido. Despedimo-nos das que estavam de carro, prometendo um novo encontro já na praia do Saco.

Por ali, já cruzávamos com alguns carros que também trafegavam pela desértica praia, carregados com varas, toldos, caixas de isopor, cadeiras e a tralha toda que uma pescaria longa requer. Ao longe dava para avistar faróis acesos; eram os organizadores da gincana, marcando as raias, todas numeradas, com bandeirolas coloridas por entre o meio. Quando me detive a observar o número das plaquetas, vi o número 150, mas há muito que eu vinha vendo plaquetas e bandeirolas. Mais um pouco, notamos que alguns já se instalavam em suas raias, o que informava que o sorteio das raias já havia começado. Nos apressamos e logo estávamos passando apertados entre a água e o restinho do que sobrava de areia molhada, numa espécie de grande piscina sem ondas, linda de águas azuis...

Ali eu descobri que até hoje eu estava errado, quando pensava que passeava até a praia do Saco, que era exatamente aquela por onde eu estava passando. Até então eu havia passeado sempre até a praia Ponta do Saco, não muito distante dali, porém chegando pela rodovia, até onde não dava mais para seguir, já à beira do estuário dos dois rios-mar, Real e Piauí, que separam Sergipe da Bahia, defronte da ilha da Sogra, um banco de areia que sempre nasce na baixa-mar, onde as escunas montam bares itinerantes para você curtir uma praia diferente...

Quando acabamos de passar pela mansa piscina azul, um carro já atolava, e dele em diante foi uma seqüência dos tantos que tentaram por ali cruzar, mas aí já estávamos bem longe, a caminho da casa em que as duas ficariam. Comi um cuscuz bem molhado com o molho do frango caipira, um pouco do frango e alguns amendoins; o arroz ainda estava no fogo. Aproveitei para descansar e reparar minha câmara furada, enquanto ia ouvindo a conversa de tanta mulher pescadora, umas 10 ao todo, aliás, duas já estavam devidamente atoladas lá naquele lugar da piscina. Soube que um trator estava sendo providenciado para as tantas travessias, que agora ficariam mais difíceis, pois a maré aproximava-se cada vez mais de seu ápice.

Estava na hora de voltar... Vesti os acessórios, pondo por último, o capacete. Despedi-me de todas e fui embora. Olhei o GPS: marcava os 75,9 km até ali; marcava também a hora em que eu estava partindo: 12 e meia.

Apertei o Start, montei e fui embora, no início numa pequena estrada de piçarra, depois pelo asfalto, quando o vento mau humorado me sapecou seus sopros. Foi um longo e cansativo retorno, minha vela grande em teima constante com o vento, quando por vezes cheguei nos míseros 8 km por hora, como se estivesse a subir uma boa ladeira... Embora em terreno plano, essa ladeira me acompanhou até quase o final, onde minha máxima, mesmo descendo, não ultrapassou os 17 km por hora.

Com a água acabando, sem nenhuma gota de suor, porque o vento as secava todas, pouco antes de chegar na Caueira, a barriga reclamando por carvões em brasa, parei no Bar do Burgos para saciar a caldeira. Naquela hora, quase 2 e meia da tarde, ele já não tinha mais mangabas para fazer um suco. Comi uma carapeba deliciosa, frita, dourada e crocante, junto com arroz e um vinagrete especial. Terminado o peixe, novamente repeti, dessa vez com arroz, o vinagrete e uma boa porção de feijão, mais uma farofa apetitosa por cima; a fornalha estava bem abastecida...

Enchi minha caramanhola  com água gasosa e parti, e mais uma vez o vento castigou... Quase 4 e meia da tarde, chegava aos pés da ponte sobre o Vaza-Barris, vencendo-a lentamente enquanto olhava à minha direita, aquele longo bigode branco da arrebentação do mar em constante briga com o rio. Já na av. Melício Machado, fui cruzando com alguns ciclistas, um deles o Ruy Rocha, da equipe Over 100 KM, que treinando, passou por mim que nem bala, porém sem deixar de fazer uma festa. O que ele não sabia é que eu estava nas últimas...

Poucos minutos passando da 5 e meia, já começando a escurecer, dobrava à direita na estrada do Petroclube, e às 5 e quarenta de uma tarde bastante quente, pegava agora o vento mais forte, pois chegava na orla, onde trataria de beber uma água de coco bem gelada e gostosa, pois minha água há muito que se acabara. Próximo de casa, subindo pela ponte do Riomar, encontrei também subindo e correndo, em treinamento, o amigo Marcus Franco que havia corrido a Trigésima Corrida Cidade de Aracaju, aquela de 25 km pela rodovia João Bebe Água, de São Cristóvão até Aracaju. Brincamos nos brindando os esforços, e o deixei para o caminho dele, pois o meu necessitava ser encerrado.

Mais um pouco, às 18 horas e 24 minutos, clicava no Stop dando por terminada a jornada daquele dia, depois de pedalar 150,16 km, em 10 horas e 15 minutos, queimar 7.392 calorias, e subir apenas 287 metros acumulados...

Não sei da gincana das meninas, mas por certo foi cheia de sorrisos e peripécias, muito sol e mar, ondas a quebrar, gritos a cada peixe a fisgar e a puxar, histórias de pescadores...

* * *

Um comentário:

  1. sempre magníficos seus relatos, assim como suas aventuras, tanto as ciclísticas como as gastronômicas;)

    abraços, amigo!

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